''Às vezes não sei o que hei-de fazer da vida, vejo os dias sucederem-se num comboio estúpido e sem estações conduzido por um maquinista louco, que não faz a mínima ideia onde acaba a linha e o pior é que nem quer saber. O comboio desliza sobre os carris cada vez mais depressa como se a qualquer instante perdesse a aderência e descarrilasse e então imagino as carruagens tombadas com as vísceras das minhas memórias espalhadas por todo o lado, a vida desmantelada naquilo que já foi uma existência rica e cheia e que agora não vale nada.
Ou então o comboio transforma-se num pássaro, crescem-lhe asas e cruza os céus com o peso das carruagens às costas que carregam o fardo das minhas memórias, as asas são enormes e desajeitadas e os comboios não sabem voar, o que vejo no céu é um monte de ferro e entulho com asas de chumbo à procura de uma nova dimensão, no derradeiro esforço de tentar, mais uma vez, outro caminho, outra saída para uma existência que perdeu o sentido e o lugar.'' (...)
Margarida Rebelo Pinto
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